quarta-feira, 2 de maio de 2012

Tomas Morus, política e atualidade


O que mais me surpreende ao ler algumas obras consideradas clássicas é a atualidade delas. A Utopia de Tomás Morus, por exemplo, é uma delas. Publicada em 1516 - e eu espero estar lendo uma tradução fiel ao conteúdo original - o livro "descreve um Estado imaginário sem propriedade privada nem dinheiro, preocupado com a felicidade coletiva e a organização da produção", segundo a descrição do livro na contra-capa.

O livro é curto. A edição de bolso que estou lendo não tem mais que 170 páginas. Terminei de ler hoje a primeira parte, ou o "livro primeiro", na qual Morus descreve sua conversa com Rafael, uma pessoa que morou durante um tempo num país chamado Utopia. No próximo livro esse personagem irá descrever a Utopia, mas já na primeira parte ele apresentou alguns elementos bem interessante e que valem a pena serem transcritos.

O diálogo entre Morus e Rafael (tem um terceiro elemento também...) entra no campo da política e a importância de um príncipe ser um filósofo e os conflitos de interesse dos governantes e a impossibilidade de um sábio ou um filósofo de fazer parte da política:

"Tal é exatamente o resultado que eu obteria nos conselhos dos príncipes. Ou eu pensaria diferentemente deles, e seria o mesmo que simplesmente não pensar; ou pensaria como eles, o que seria, como diz Misião de Terêncio, fazer-me o promotor de sua demência. (...) Enfim, não se apresentará uma ocasião em que você possa ser útil, já que estará envolvido por colegas mais capazes de corromper o melhor homem do mundo do que se deixar corrigir por ele. Você irá se corromper ao contato de homens depravados ou então, conservando sua integridade, terá de compactuar com uma perversidade, uma estupidez da qual é inocente. (...) É por isso que Platão, numa comparação muito bela, convida com razão os sábios a se absterem de toda atividade política"

Outra passagem bem interessante é sobre a propriedade privada:

"Parece-me que onde existe a propriedade privada, onde todo o mundo avalia as coisas em relação ao dinheiro, dificilmente é possível estabelecer nos assuntos públicos um regime que seja ao mesmo tempo justo e próspero; a menos que você considere justo que as melhores coisas caibam às piores pessoas, ou que julgue bom que todos os bens sejam partilhados por uns poucos, e mesmo sem que estes estejam inteiramente satisfeitos, enquanto todos os demais vivem na pior miséria"

Outros conceitos aparecem nessa primeira parte do livro: monopólio, cercamento de terras, lei dos vagabundos, trabalho forçado e riqueza da população, por exemplo. É uma leitura que vale a pena, principalmente para ser comparada a outros textos ou para ser estudada e descobrir quais autores foram influenciados pelas ideias da Utopia (meu próximo passo quando finalizar a leitura).



Observação particular 

Ademais, vale uma observação... li em algum lugar que existe uma estátua de Morus na Russia e que suas ideias influenciaram as revoluções socialistas para a formação de um estado do proletariado. Escolhi A Utopia por curiosidade, pois era mais um dos livros que estavam parados na minha estante, e ele se encaixou no conjunto de leituras que fiz essas últimas semanas. Depois de ler Trótski para a matéria de Desenvolvimento Econômico, me interessei pelo assunto e li, na sequência, "A revolução dos bixos", de George Orwell, e "Os dez dias que abalaram o mundo", de John Reed.

Acho que se fosse começar do zero inverteria a ordem das leituras para elas se complementarem umas às outras iniciando por "A República", de Platão (que ainda vou ler), depois Morus, Reed e finalmente Orwell. São todos livros que dão para perceber claramente ligações temática ou ideológica entre si e valem a pena serem lidos para ter contato com ideias diferentes de política e também de economia.

Além do que, como já disse outras mil vezes, ver como autores do passado constataram características da sociedade que estão presentes até hoje! Há uma outra passagem de Morus que fala sobre pessoas ricas estarem no poder no lugar de pessoas competentes que é muito atual, afinal, qual a porcentagem de cargos de chefia que são ocupados por profissionais realmente capazes e especialistas? Uma política numa Secretaria Municipal de Saúde, por exemplo, não faria nada além de distribuir rosas no dia das mulheres...


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