terça-feira, 15 de maio de 2018

"Tchau, mãe!": 'Sobre morar em São Paulo' ou 'Sobre morar longe do "Boa Noite"'


Morar em uma cidade diferente daquela que você nasceu e longe de toda sua família é, sem dúvida, uma experiência interessante. Claro que há alguns pontos negativos, como as saudades da casa da mãe ou pelo menos de uma proximidade dela que dispense uma viagem de 2h ou mais. Também tem a questão da vida adulta e a necessidade de administrar a geladeira de forma consistente para não faltar nada nos últimos dias do mês. Ô saudades da geladeira mágica que as coisas brotavam sem precisar fazer muito esforço!

Apesar de os poucos pontos negativos serem bem convincentes do porquê não voltar para a casa dos pais, a vida com asas e em locais distintos e distantes tem suas vantagens que fazem as saudades e as necessidades compensarem. Há oito anos sai da casa de minha mãe. Morei lá até 2010, quando tinha 24 anos. Naquele ano fiz cursinho e consegui ser aprovado na Unicamp. O primeiro destino, portanto, foi Campinas, interior de São Paulo. Lá morei por seis anos em três diferentes locais da cidade. Em 2016, desempregado e sem muitas perspectivas de algo promissor nas minhas áreas de formação naquela cidade, resolvi voltar a estudar para o vestibular e coloquei como meta o curso de Letras da USP, aqui na capital do estado.

De forma geral, acredito que temos duas experiências distintas ao morar sozinho e distante da família, em outra cidade: uma delas é a autodescoberta e a outra a descoberta da cidade. As duas poderiam dar uma terceira experiência que seria a descoberta de um ser em um espaço urbano, em uma sociedade – essa terceira questão, no entanto, está presente na primeira. A segunda, será tratada em outros textos.

Um mapa para si mesmo

A autodescoberta é, em resumo, conhecer suas limitações, habilidades e capacidade de adaptação à rotina ou aos imprevistos dessa rotina. É ter a capacidade de se virar nos 30, literalmente. Sem mãe, sem irmã, sem primos e, durante algum tempo, sem amigos. As habilidades sociais precisam se desenvolver e a dependência do próximo parece diminuir pouco há pouco. Um pai que troca a resistência do chuveiro; o amigo que topa ficar sem fazer nada na calçada de sua casa; uma loja, pequena como uma papelaria ou tão grande quanto um hipermercado, na qual você sabe que pode confiar no produto e, principalmente, sabe que vai encontrar o que precisa e o local onde ele está na prateleira.

É necessário dar alguns pulos, corridas ou cliques no YouTube para aprender a fazer alguma coisa que você nunca precisou até aquele momento. Ninguém te ensina a desentupir uma privada; a como evitar mosquitos de fruta na cozinha; as vezes há pessoas que sequer sabem trocar uma lâmpada e minimamente conhece a diferença entre água sanitária e limpa-vidros.

Sentimental e psicologicamente, o autoconhecer-se pode ser ainda mais complicado. Sem ter com quem conversar pessoalmente, os diálogos no WhatsApp vão perdendo o calor e o tom das palavras “palpáveis”. Seu amigo ou amiga, irmã, mãe ou qualquer pessoa não está ali para ver sua expressão de falsa alegria e perguntar o que está acontecendo; se pode ajudar. Obviamente não dá para deixar de considerar que algumas amizades parecem não precisar de rostos e presenças 100% do tempo, o sexto sentido e o conhecimento sobre a pessoa ditam o ângulo da interpretação de palavras na tela do celular. Essa falta gera, sim, um sentimento de vazio e sempre levanta a dúvida sobre a real necessidade de estar tão longe de um “Boa noite!” todos os dias.

É triste, mas esta tristeza é controlável. Contudo, ela só te dá as rédeas desse controle após algumas rasteiras da vida ou de algumas viagens recheadas de nostalgia. Quando isso acontece é como se a borboleta realmente saísse de um casulo – não consigo ver de outra forma. Ali, protegido e em desenvolvimento, o mundo real parece distante e isolado. É confortável, uma bolha. Voar, acaba sendo um trauma ou literalmente uma libertação. Se ver capaz de ter uma vida longe das asas dos pais te obriga a se enxergar como autossuficiente e, num estágio mais adiante, um membro de uma sociedade capaz de usar o espaço, real ou virtual, para socializar, idealizar e talvez transformar.

O ambiente de trabalho acaba suprindo algumas dessas necessidades, principalmente a relacionada às amizades. Além de permitir conhecer novas pessoas, é no ambiente de trabalho que, no fim das contas, você se ambienta melhor. Ali temos contato com as pessoas que realmente moram na nova cidade. Ouvimos histórias e dicas de lugares para ir; problemas nos transportes e deficiências da cidade, especialmente uma tão grande quanto São Paulo; vemos que as realidades em alguns lugares são realmente incomparáveis com a bolha na qual vivemos durante muito tempo. Histórias de pais que abusavam de filhas, e essa filha nunca perde o sorriso do rosto e o rebolado do samba apesar de as pedras do caminho dela terem sido e serem muito mais pesadas que qualquer uma que você já viu. É no ambiente de trabalho que ouvimos o sotaque local, apesar de repararem mais no seu no que no deles mesmos.

Ainda sobre trabalho, ilusões podem ocorrer. Achar, por exemplo, que São Paulo é a terra do trabalho é um mero engano. Pensar que talvez seja a cidade na qual será possível trabalhar na própria área, como jornalismo ou economia (no meu caso), é, talvez, ter pouco conhecimento sobre a própria área ou parece ser um caso de “acreditar demais na própria capacidade” - ou se deixar levar por pessoas que fazem você não acreditar nisso. Não pode haver engano. Nesta hora, em uma cidade movida pela meritocracia e pelas indicações, ou você mantém o foco em trabalhar no que quer e gosta, independente da quantidade de negativas ou empresas que sequer respondem sua candidatura, ou então você se adapta à realidade e aceita o primeiro emprego que aparece depois de meses de procura. Os boletos são reais e não aparecem só no final do filme, desculpe o spoiler.

A insistência neste objetivo pode cansar, pode entristecer, pode te fazer perder a crença na sua própria capacidade. Esses efeitos negativos, no entanto, também são controláveis. Se adaptar não é ruim e pode, na verdade, ser uma ótima estratégia para conseguir os tão necessários contatos. Talvez um emprego de atendente em um callcenter pode te dar aquelas amizades já comentadas e, em um futuro não muito distante, elas serem as indicações que você precisava. Um emprego fora da área, além disso, pode ser uma oportunidade para começar mais uma vez e não entrar pela porta da frente, mas pela entrada de serviço. As experiências até o momento, me fizeram crer que talvez essa questão não seja tão factível. Tenho a atual impressão que uma experiência em um callcenter, especialmente se for em uma empresa pouco reconhecida por sua capacidade de gerir pessoas, pode, na verdade, manchar oportunidades mais ambiciosas. Se não mancham, acabam por estender o caminho, ao invés de encurta-lo.

Essa questão do trabalho, no entanto, vai ficar para um dos próximos textos sobre as reflexões acerca de morar em São Paulo. Até lá... =)